domingo, 9 de junho de 2013

Capítulo Um: Luz Sombria




Quando a luz voltou aos meus olhos, eu me encontrava dentro de um quarto todo sujo, havia vários brinquedos quebrados no chão; eu conseguia discernir algumas bonecas velhas despidas, alguns brinquedos de montar quebrados, alguns carrinhos sem pneus, uma bola furada. Olhei para as paredes e vi vários rabiscos a giz de cera. De todos, este era o único que eu conseguia entender: TOROM. Dava para entender que me encontrava em um quarto de brinquedos, havia um grande baú a um canto, de onde, provavelmente, eles foram retirados, havia um gigante tapete no centro da sala, mas estava todo empoeirado.

Eu não estava entendendo como eu havia parado ali. E como eu me punha a investigar aquela sala, começava a esquecer quem eu mesmo era. Tentava lembrar-me do meu passado mais próximo, mas não adiantava. Seria amnésia? Haveria eu batido a cabeça? Meus pensamentos estavam sem norte.

— Há alguém aqui? — sibilei. Minha voz ecoou naquela sala.

Em resposta à minha voz, eu ouvi um grunhido seco de algum lugar fora da sala. A atmosfera ali começava a ficar gélida. Um ar sombrio tomava conta da sala. Depois veio um silêncio sepulcral que começava a me incomodar. Eu chegava a ouvir meus próprios batimentos cardíacos. Numa hora, repentinamente, a luz da sala, que já era fraca, se apagou de vez. Foi quanto eu me assustei: ouviu-se ali dentro o som de uma porta batendo, seguido de um grito de uma menininha. Um grito ensurdecedor, que me deixou apavorado. Eu dei um passo para trás e acabei tropeçando. Caí de costas, amortecendo minha queda com meus braços. Acabei cortando um deles num brinquedo quebrado afiado ali jogado. Levantei-me segurando esse braço para sentir a profundidade do corte.

Subitamente, a luz do quarto voltou a se acender. Demorei a focar minha vista. Quando o fiz, vi que a porta da sala estava escancarada. Girei meu olhar e vi uma criancinha brincando num canto.

— Olá? — perguntei, mas a menininha não respondeu. — O que você faz aqui? Onde estamos? — mas ela não dava sinal de resposta.

Aproximei-me dela lentamente, com medo de poder assustá-la. Chegando mais perto, agachei-me e toquei seu ombro. Ao fazer isso, ela se virou de uma vez e se mostrou para mim.

O que vi me assombrou, fazendo-me dar dois passos para trás. A menininha não tinha rosto, apenas uma pele toda franzida cobrindo toda a face até às orelhas. Ela estava brincando com uma faca. Ela mostrou que havia cortado a própria mão. Uma dobra na cara dela foi franzida dando a entender que ela sorria para mim. Não queria ver mais nada, atravessei a sala, dando as costas à menina. Passando pela porta, cheguei num corredor. Comecei a correr numa direção, deixando rastros de sangue do meu braço.

Mas o mesmo grunhido seco me fez dar meia-volta e correr no sentido contrário do corredor. Passei pelo quarto onde estava. Apressei o passo ao ver que aquela menininha estava na porta da sala, fazendo girar a faca.

Correndo, apesar das luzes no corredor se enfraquecendo, eu conseguia reparar no lugar onde estava. Parecia um imenso corredor de uma mansão antiga. Havia quadros nas paredes. Pinturas arcaicas de anjos lutando contra demônios. Houve um momento no qual não havia mais quadros nas paredes. Eu reparava na cor das paredes. Eu observava que a pintura nas paredes pareciam se descascar, observando musgos tornando a pintura esverdeada. Depois a cor era de um marrom rubro. Eu comecei a achar que estava saindo de um corredor e entrando em uma caverna. Não conseguia enxergar muito bem, a luz estava muito fraca. Chegando ao final do corredor, eu estava ofegante e todo suado. Tentei, com mais calma, ver o corte no meu braço. O sangue ainda não havia estancado, ao menos vertia mais devagar. Olhei para trás e vi os rastros de sangue que eu deixei no caminho.

Onde eu estava? Que criatura era aquela menininha? Muitas perguntas inundavam meus pensamentos. De todo, nem eu mesmo me lembrava de quem eu era. Qual era o meu nome? Olhei em volta, mas não havia respostas ali, apenas duas portas formando um "Y" com o corredor. Uma delas, eu verifiquei, estava emperrada. Fui ver a outra. Ela dava numa caverna de verdade, ou, pelo menos, aquelas salas com paredes de pedra, chão de barro. Entrei naquela sala segurando a porta, reparei nas cadeiras de madeira, numa mesa gigante de cimento a um canto, várias panelas penduradas nas paredes. Havia uma lareira numa parede cuja chama cozinhava, num panelão, algo de cheiro muito ruim. Avistei a outro canto, uma gigantesca poltrona de madeira ornamentada. Soltei a porta e caminhei em direção à poltrona. Vi que havia alguém sentado nela.

— Olá?

Em resposta, a pessoa se levantou. De costas, eu vi que ele era careca e que vestia umas roupas bem extravagantes, de um misto de trapos com elegância. Reparei num tique nervoso dele: ficava balançando a cabeça para cima e para baixo rapidamente.

Quando ele se virou para mim, eu recuei. Novamente eu me assustei com o que vi. Das laterais de seu rosto, saíam longos e amofinados dedos que, entrelaçados, cobriam toda a face até os supercílios. Lentamente, esses dedos se soltavam, mostrando seu rosto. Olhei com mais prudência, ali havia três olhos, um nariz achatado, quase ofídico, uma boca toda deformada, com um dente torto e afiado saindo de dentro dela.

Essa coisa me olhou profundamente nos olhos, fazendo eu me paralisar de medo. Seus olhos eram acinzentados, sendo que seu terceiro olho, que ficava em cima de seu olho esquerdo, era numa cor rubra fumegante. Este olho ficava direto olhando para cima, para o nada. Fiquei ali paralisado, até que voltei a mim; virei-me afoito e corri na direção da porta. Quando cheguei à porta, tentei abri-la, mas estava emperrada. Fiz força contra a porta, mas ela não abria. Voltei a me virar para aquela criatura, fiquei olhando para ela com o coração em disparada. Até que disse isto:

— Não tenha medo — disse a coisa com uma voz gutural rígida, que causaria a qualquer um, uma náusea atípica.

Eu engoli em seco.

— Não precisa ter medo — repetiu com displicência, dando trejeitos imperiais com suas mãos no ar. — Eu não vou te machucar... Agora o "Grande" pode te machucar... Melhor ter cuidado.

Eu ouvia recostado à porta tremendo.

— Muito prazer, Mah'os, meu nome é Hand'o Devil, mas pode me chamar de Handevil. Estou aqui para te ajudar com o assassinato dos seus amigos.

— Como!? Do que você está falando!? Meus amigos o quê!? — eu praguejava.

E eu até tentei entender o que a criatura dissera, mas eu era incapaz. Nada mais ali fazia sentido. Eu só podia estar sonhando. Tentei ponderar essa ideia. Quando já estava descrente de tudo, perguntei:

— Onde estamos?

— Boa pergunta! Como eu te disse, estou aqui para te ajudar! Pois bem, feche sua mão direita.

Receoso, cerrei meu punho direito e ergui meu braço, deixando à mostra minha mão fechada.

— Muito bem. Agora saiba, pode não fazer sentido, mas estamos dentro de sua mão.

— Hein? Como!? — indaguei com um tom de estranheza.

— Ha haha! A pergunta foi ótima, mas a resposta foi melhor! — ele piscou seu terceiro olho e fez um gesto com a mão. Após esse movimento, senti que a porta havia se destrancado. — Sinto muito haver de fazer isso contigo, mas se quiseres minha ajuda, tu haverás de fazer umas coisinhas para mim... Ha haha! — ele gargalhou demoniacamente.

Eu me espremi na porta, apalpando-a para sentir a maçaneta. Perguntei descrente de resposta razoável:

— Como eu saio daqui?

Ao ouvir essa pergunta, seu terceiro olho parou de olhar para o nada e começou a me fitar profundamente. Ele iniciou aquele seu tique nervoso. Começou a mover loucamente sua cabeça para um lado e para outro, tremendo seu ombro esquerdo. Sua cabeça despencava lentamente para trás. Os dedos no seu rosto se mexiam nervosamente. Seus olhos acinzentados pararam de olhar para mim e principiaram um giro desvairado, depois eles viraram para trás. Daí ele começou a abrir sua boca. Eu conseguia ver a cor amarelada meio que apodrecendo de seus dentes de longe.

Com a boca toda aberta, sua língua começou a se mover agonizantemente dentro da sua boca. Até que ela saiu da boca e se mostrou para mim. Ela devia ter umas dez vezes o tamanho de uma língua normal. Na ponta dessa língua, o que me apavorou, eu consegui discernir outra boca menor. Ela se mexeu e se abriu, mostrando ter uns dentes pequenos, mas pontiagudos. Ela começou a falar com uma voz sibilante e estridente, que chegava a doer nos ouvidos:

— Morrer! Você deve morrer para saber da morte!

Não titubeei, abri a porta rapidamente e saí dali, deixando aquele monstro sozinho naquela caverna com aquela língua aos berros. Iniciei uma corrida segundo o corredor, mas havia uma parte do corredor mal iluminada. Ouvi um barulho esquisito. Olhei para trás, e as luzes haviam se apagado. Voltei meu olhar para frente, diminuí meu passo, eu estava andando agora tremendo. Eu andava passando minha mão na parede. Até que, perto de mim, eu vi uma criaturazinha pequena no pé da parede. Ela olhava para mim com uns olhos dourados reluzentes. Piscou três vezes. Eu não conseguia discernir o que essa criaturazinha era, estava muito escuro, só conseguia ver sua silhueta. Até que ela fechou seus olhinhos. Depois disso, as luzes diante de mim foram, aos poucos, voltando ao normal, mas ainda estava muito escuro. Voltaram a se apagar.

Eu não mais via nada. Girei meu olhar, apenas escuridão. Meu coração acelerou. Comecei a correr na mesma direção em que eu andava, sempre apalpando a parede. Minha mão tropeçava em algum quadro. Parei de apalpar a parede. Voltei a segurar o meu braço cortado com a mão. Eu corria mais devagar agora.

Até que eu me esbarrei com uma coisa rígida, porém felpuda. Apalpei a coisa para identificar no escuro. Mas não conseguia entender o quê. Eu comecei a sentir uma respiração ríspida vinda de cima de mim. Dei três passos para trás.

Uma luz atrás de mim se acendeu. Doeu minha vista a princípio, mas eu a forcei para ver o que estava adiante. Olhei nos olhos da criatura. Senti-me paralisado. A criatura devia ter mais de dois metros e meio, era quase do tamanho do corredor. Ela era forte e peluda. Com uns pelos negros todos eriçados. Sua respiração ecoava ali, causando-me muito temor. Parecia haver chamas em seus olhos, de tão vermelhos que eram. De sua boca, dava para se ver caninos penetrantes, como os dentes de um urso. Seu nariz era preto e pelado e com fendas, igual ao nariz de um touro. Fiquei ali parado, sem reação alguma, só olhando para esse monstro gigante. Ele deu um passo para frente e deixou à mostra o que ele segurava nas mãos. Ele portava um cabo gigante, e, quando eu segui o cabo com meus olhos até a ponta, vi que era uma foice gigante.

Esse monstro soltou um grunhido seco e agressivo e fez um movimento com a foice, fazendo que iria me decapitar. Eu fechei os olhos e esperei a lâmina vir me cortar.

Mas, antes de eu sentir qualquer coisa, uma mão veio e me puxou a perna. Essa mão me puxou com tanta força, que eu senti um frio na barriga acalentador. Eu me senti voando naquele momento. Perdi a noção de tempo, perdi a noção de espaço; apenas estava ali. Meus olhos abertos, eu não via nada; então os fechei. Daquele momento em diante, eu não sentia mais nada.




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