domingo, 16 de junho de 2013

O Derradeiro Prazer



Postando aqui o Conto "O Derradeiro Prazer". Espero que todos apreciem a leitura. Segue-se o link para download do conto completo em PDF.

Sinopse: O conto fala de uma viagem que o Rafael faz com duas amigas para o interior da cidade. Lá, em meio à paz tão almejada, eles encontram algo que beira a luxúria, trazendo, em seu corpo esbelto e moreno, a conturbação; em outras palavras, Matheus, o amigo de infância de Carla. Rafael, Carla e Matheus então se irrompem em um estranho e lascivo triângulo amoroso, mas nem tudo é simples no reino concupiscente do Prazer. Rafael vê-se preso em um deleite fora de controle que o levaria à perdição...

Prévia:

"Seus beijos eram longos. Oh! Mas eu aproveitava deveras. Eu aproveitava para beijar-lhe o peito, o pescoço, a orelha. Depois beijava a Carla. Quando menos esperávamos, estávamos completamente desnudos.

Matheus se afogava nas mais diversas dobras que sua boca alcançava, enquanto ele, comseus braços esticados, apalpava lascivamente os seios da minha amiga. Ele, a estar com a sua cintura de lado, eu aproveitava para lhe fazer os melhores sentidos carnais de uma vez s ó. Afogando-se na concupiscência de ninfa, eu o excitava mais ainda, repetindo o ato de outrora, osculando o que era hirto e libidinoso. Ele urrava de prazer, fazendo a Carla, igualmente, gemer de excitação. Ela segurava suas costas, às vezes as arranhando com suas unhas.

Matheus estava muito suado, mas não estava cansado. Um gemido alto feminino foi obtido quando uma mão esperta e libidinosa conseguiu se desbravar por lugares secretos. E Matheus continuou com seu ato, fazendo minha amiga segurar os próprios cabelos, num gesto sensível e bacante. Então ela pegou na minha nuca e a apertou, depois me guiou para as costas do Matheus. Eu esfreguei minhas mãos nas suas largas costas, fazendo-lhe um amplexo apertado, fazendo seus ossos estalarem. Ele levantou seus ombros, fazendo força, exuberando seus  vários músculos. Desci minhas mãos para sua cintura, depois, com meus peitos encostando em suas costas, dei um amplexo agora lascivo, fazendo minhas mãos irem ao encontro de suas partes. Lá, onde o prazer era máximo, bastava eu tocar aquela região, e ele se contorcia de prazer, devido ao que aconteceu antes."

Leia Completo:

http://www.4shared.com/office/ErEspPuD/Derradeiro_Prazer.html

domingo, 9 de junho de 2013

Capítulo Dois: O Despertar Num Pesadelo



Aquela manhã de Fevereiro estava clara e tranquila. Apesar do tempo chuvoso, o céu estava claro, num azul vívido característico. As flores no jardim na frente da casa ainda estavam brotando, porém exalavam um cheiro agradavelmente forte. A brisa da manhã batia à janela de vidro, pedindo para que os adormecidos acordassem para mais um dia de trabalho. Algumas pessoas já estavam saindo de suas casas, umas já indo para o trabalho, outras fazendo a caminhada matinal. Dessas, umas passeavam com seus cachorros. Apesar do movimento de carros ser grande naquela rua estreita, a paz estava ali, trazendo felicidade aos moradores.

As coisas pareciam estar indo normalmente nas vidas das pessoas, porém, na casa do Marcos, as coisas não estavam indo muito bem assim.

A paz foi cortada, assim como o sono de quem ali naquela cama dormia, com os gritos atemorizantes do Marcos. Ele gritava loucamente, parecia haver tido um pesadelo muito ruim. Estava todo suado, chegava a chorar, tremendo-se todo.

Uma linda garota, deitada naquela cama começou a gritar de medo. Ela começou a balançar Marcos para fazê-lo parar de gritar. Até que ele abriu os olhos e parou de gritar. Olhou para o lado e fitou a garota. Ele segurou-a nos ombros e a balançou, dizendo:

— Eles querem me matar! — ele ainda chorava, seu rosto estava todo enrugado, parecia haver tomado alguma droga pesada no dia anterior.

— Calma, calma — tentava acalentar a garota.

Marcos, ainda chorando, começou a se acalmar, apoiando sua cabeça nos seios da garota. Ficou um tempo assim até parar de chorar. A garota abraçou-o com força, fazendo depois cafuné nos cabelos morenos do Marcos. Quando ele se acalmou, retribuiu ao abraço. As pernas dele entrelaçaram-se afavelmente com as dela. Ele se sentiu por um instante protegido. Mas aí ele estranhou a situação. Soltou-se dela, olhou em seus olhos e perguntou:

— Quem é você?

Ela olhou para a cara dele com estranheza. Depois disse:

— Você não se lembra!?

Ele balançou negativamente a cabeça. Ela franziu as sobrancelhas.

— Você me contratou ontem, não lembra? — continuou ela, vendo a cara interrogativa do Marcos. — O que você tomou ontem, hein, para perder a memória assim? — ela soltou um muxoxo seco.

Ele sentou-se na cama cruzando as pernas. Ela fez o mesmo, mas penteando o cabelo com as mãos.

— Eu simplesmente não me lembro de nada...

— Então... — fez ela meio decepcionada. — Novamente: meu nome é Kelly. Você se lembra do seu próprio nome?

— Sim, sim! Eu não me lembro é do que aconteceu ontem... Eu estava com quem?

— Bem... Você estava com aqueles seus amigos... Você estava muito bêbado...

— Humm... — escutava ele atentamente.
— Você se encontrou comigo no bar. Você chegou dizendo que queria beber o melhor drink da casa. Aí eu te disse que conhecia um drink maravilhoso. Daí você pediu dois e me deu um. Nós bebíamos enquanto conversávamos. Eu te disse que eu sou uma acompanhante. Você me disse que é um engenheiro. Ficamos a noite inteira. Você me apresentou aos seus amigos. Você bebeu tanto... No final da festa, um de seus amigos nos levou para sua casa. Ele disse que ia ficar com o seu carro só por hoje... Você vomitou na pia ali... Se limpou e veio ficar comigo...

Marcos demonstrava uma cara inexpressiva. Não conseguia se lembrar do que ela estava falando. Perguntou receoso:

— Nós...? — e fez um gesto com a mão.

Ela balançou afirmativamente a cabeça. Marcos se recolheu. Pôs suas mãos em sua cabeça. Franziu o rosto. Tentava sem sucesso lembrar.

— Hein, eu acho melhor você ir lavar seu rosto enquanto eu faço a nossa merenda — disse ela.

Marcos aceitou a ideia. Vestiu-se, depois foi ao banheiro do seu quarto. Ficou se perguntando no que ele fizera na noite passada. Um buraco se formou em sua memória. E um buraco muito profundo; quanto mais ele tentava se lembrar, mais ele se perdia em seus pensamentos. Lavou seu rosto na pia, molhando seus cabelos. Enxaguou-se numa toalha de rosto que havia ali ao lado da pia. Olhou seu rosto no espelho. Estava embaçado. Limpou o vapor no espelho com a mão. Fitou o próprio reflexo. Observou suas olheiras. Estava com uma cara muito feia. Ficou desconfiando se alguém colocara alguma coisa em sua bebida. Ele nunca antes havia bebido para perder a memória.

Tentava se lembrar da última coisa que havia feito. Começou rememorar a noite de ontem.

Ele e seus amigos reuniram-se em sua casa, como de praxe, sempre antes de ir numa balada, que não ficava muito longe da casa do Marcos. Vinham os cinco: Vítor, Fernando, Augusto, Anderson e o Cláudio, todos já arrumados, no carro do Augusto. Ele estacionou o carro em frente à casa do Marcos. Desceram e foram logo entrando na casa dele. Fernando, que morava mais próximo dali, tinha a chave para abrir a porta. Eles nem tocaram a campainha. Atravessando a sala, o Vítor viu uns doces numa bomboneira em cima da uma mesa ornamental; já os outros se acomodaram no sofá. Augusto ligou a televisão. Anderson perguntou:

— Bó uma partida de futebol?

— Deixa eu ligar aqui... — respondeu Augusto.

— Cadê a boneca? Ainda tá se arrumando? — perguntou o Cláudio.

— Quem me chamou de boneca!? — indagou o Marcos, aparecendo na sala, já arrumado. — E aí, galera? Estão prontos? — fez, pulando em cima do Cláudio, dando-lhe um piparote.

— Estamos sim. Estávamos só te esperando — respondeu Fernando.

— Cadê as tuas amigas, Fernando? Elas vão também? — perguntou Marcos.

— Elas disseram que iam... Talvez a gente encontre elas por lá...

— Ok. Opa! Time fora é meu! — fez ao ver seus amigos jogando no seu videogame.

A casa do Marcos era pomposa, cheia de adornos. Por causa da sua inclinação por games e pela cultura asiática, ele tinha vários tipos de videogames, dos mais clássicos, até os mais atuais. Ele fazia coleção de jogos, bonecos de ação, de personagens de animes; havia vários enfeites extravagantes, como duas espadas ninjas apoiadas num pedestal a um canto da sala. Noutro canto, havia um gigantesco xadrez do Harry Potter, com peças que se movem sozinhas. No centro da sala, havia uma mesinha com algumas bomboneiras, cheias de guloseimas diferentes. Dois sofás pomposos faziam um cerco na sala, diante de uma estante bem formosa, com várias gavetas. Em cima dessa estante, na parede, havia sua grande TV LED. Dentro das gavetas, havia sua coleção de videogames; em cada gaveta, havia um game diferente, com seus respectivos jogos. Bem à mostra, sobre a estante, jaziam suas coleções de bonecos.

Eles estavam jogando um jogo de futebol num videogame já instalado à TV. Os gráficos eram de enfeitiçar qualquer gamer.

— Hei, galera, tou com fome ó... — falou Cláudio esfregando a barriga.

— Cara, fiz algumas salsichas hoje de tarde. Se quiser comer, faz uns sanduíches para nós... — falou Marcos, piscando o olho.

— Nem! Vou fazer só para mim! — riu-se baixo.

— Vou ajudar ele a fazer para nós... — disse Fernando. E os dois saíram para a cozinha.

Com alguns minutos, eles voltaram da cozinha, trazendo hot-dogs e refrigerantes. O Marcos estava jogando com o Anderson. O Cláudio colocou os hot-dogs em cima da mesinha; todos comeram, menos os que estavam jogando, que comeram só depois que a partida havia acabado. Jogaram mais umas partidas. Foi quando o Fernando disse:

— Bora, galera? Já está ficando na hora...

— É mesmo ó — considerou o Marcos.

Então eles se prepararam para sair. Marcos foi à sua garagem tirar seu carro, enquanto os outros iam para o carro do Augusto. Ao tirar o carro da garagem e fechar a casa, dentro do carro, Marcos abaixou o vidro e perguntou:

— Hei, baitola, tu vem comigo, né? — perguntou se referindo ao Fernando.

— Opa! — respondeu ele, dando meia volta e se despedindo dos outros, que estavam entrando no carro do Augusto. — Hein, eu vou com o Marcos, beleza?

Augusto deu um aceno de mão.

— A gente se vê lá — fez o Cláudio ao entrar no carro.

Fernando entrou no carro do Marcos e colocou o cinto. Este começou a dirigir. Eles precisaram parar num posto de gasolina depois de uns minutos. O Fernando desceu para comprar umas pastilhas na loja de conveniências. Marcos ficou dentro do carro esperando o frentista. Foi quando ele viu uma cena estranha.

Um casal, que vinha numa moto, parou naquele posto. A mulher desceu reclamando, tirando o capacete, mostrando seus longos cabelos loiríssimos. Ela franziu o rosto e soltou um brado contra o cara.

— Olha aqui, sua rapariga — respondeu ele, com o tom de voz bem alto, apontando para ela com o dedo.

— Olha aqui você!

E começaram a discutir.

Marcos, só vendo aquela situação, até pensou em intervir, mas um policial que havia ali apareceu primeiro. Ele mediou a discussão.

— Está tudo bem aqui? — perguntou o guarda.

Rapidamente e sem vacilar, a moça respondeu:

— Está tudo bem sim, seu guarda — e ela piscou seu olho para o guarda, demonstrando tranquilidade.

O policial olhou desconfiado para o casal. Deu uns passos para trás, observando o semblante do homem. Seu rosto estava inexpressivo. Ele olhou uma última vez para a mulher, depois se retirou. Marcos, que via tudo de seu carro. Viu a mulher indo na loja de conveniências, passando pelo Fernando. Quando este voltou para o carro, eles saíram daquele posto, deixando o casal lá. Marcos dirigia pensando no porquê de eles haverem brigado.

Eles entraram numa estrada longa e escura. No final dessa estrada, quase saindo da cidade deles, havia a casa de shows. Não havia carros ali. Ele estranhou; geralmente, sempre que há uma festa nessa casa de shows, o tráfego de carros naquela estrada é altíssimo. Até se perguntou se estava seguindo no caminho correto.

Com alguns minutos, eles chegaram à casa de shows, foram para o estacionamento de lá. Chegando ao estacionamento, avistaram seus amigos recostados no carro do Augusto. Vítor estava fumando.

— Diabo é isso? Vocês passaram num motel antes de vir para cá? — frescou o Anderson.

— Cara, a tenda eletrônica vai ser aqui mesmo? Vi tão poucos carros na rua... Chegamos cedo demais?

— Não pow, vê lá — e o Augusto apontou para a entrada do estacionamento.

Marcos viu uma fileira de carros querendo entrar no estacionamento. Ficou estupefato. Olhou para seus amigos, eles estavam saindo dali para entrar na festa. Vítor jogou o filtro do cigarro no chão com displicência. Marcos acompanhou-os.

Ao entrar, foram logo para a tenda eletrônica. Ficaram lá um pedaço, vendo as pessoas ali, depois foram para a parte de fora, próxima aos paredões, para ouvir músicas de forró. Com um tempo, estavam todos vindo do bar, segurando seus respectivos drinks, cantando uma música que era um sucesso do momento.

— Meu bem, meu bem! Te quero tão bem! Também, também, te quero ter bem! — cantavam em uníssono.

Marcos segurava um drink que nem sabia o nome direito. Ao terminar essa música, ele se distanciou do grupo, se aproximando de um paredão. Estava muito tonto, e o som altíssimo do paredão causava-lhe uma languidez atípica. O som elevado fê-lo esquecer de seus pensamentos. Até que, em sua mente, não havia mais nada. Ele apagou.

A partir de então, ele não se lembrava de mais nada. E ficou ali, diante do espelho, ponderando seus atos. Até que aquela mulher o chamou da porta de seu quarto. Ele atendeu ao seu chamado, saindo do banheiro. Atravessou seu quarto e encostou a porta ao sair. Chegando à cozinha, viu que, na mesa, havia um lanche preparado. Viu que a Kelly já estava sentada, esperando por ele. Ele sentou-se à mesa e pegou um sanduíche que havia ali. Comeu-o faminto, sentia como se houvesse passado muitos dias sem comer. Ela comia umas bolachas acompanhadas com uma xícara de café. Marcos pediu um pouco de café, queria que essa ressaca fosse embora logo.

— Nossa, você é rico hein? Trabalha com o quê?

— Sou engenheiro civil — respondeu acanhado.

— Achei interessantes os enfeites em sua sala de estar...

Marcos pegou o requeijão na mesa, esticando seu braço. Kelly foi à geladeira para pegar mais leite para o Marcos; este agradeceu, misturando o leite ao café.

— Sabe... — ela começou a falar ---, estou passando por uns problemas... Eu não consegui pagar a hipoteca da minha casa... Fui despejada... E esse mês foi muito duro para mim...

Marcos, ouvindo ao seu relato, perguntou:

— Então você trabalha como acompanhante? Há quanto tempo?

— Há um ano... No começo, era até lucrativo... Mas eu gastava tudo com joias, que, no final, acabavam todas com o Tânio...

— Tânio...? O cafetão?

— Sim...

Marcos ficou interessado.

— Esse mês foi muito complicado para mim... — continuou ela, dando o último gole de café. — Eu briguei com o Tânio, agora eu preciso sumir por uns dias... Eu preciso me esconder dele. Porém estou sem dinheiro, sem lugar para ficar, sem esperança... — ficou taciturna.

Marcos ficou tocado. Perguntou:

— Você tem filhos? Família?

— Minha família não é daqui. Eu sou de outro estado. Vim para cá em busca de novas oportunidades, mas não encontrei nenhuma. Ser acompanhante foi a única forma de eu poder conseguir dinheiro para poder voltar para minha terra natal.

— Complicado mesmo... — mostrou um semblante preocupado.

Marcos pensou por um tempo.

— Creio poder te ajudar... — disse pensativo.

— Sério!? — fez ela felicíssima.

Ele sorriu afavelmente. Marcos podia estar com um buraco em sua memória, porém conseguia lembrar fielmente de que foi ela quem o fez se acalmar nessa manhã de agonia. Tirando o fato de ela ser uma meretriz, Kelly era muito bela. Seria um prazer para ele abrigar uma mulher tão linda assim. De alguma maneira, ela o fazia se lembrar de sua ex-namorada. Seu jeito de falar, seu carinho para consigo.

— Você pode ficar aqui o tempo que quiser — informou ele. — Se precisar de dinheiro para voltar para a tua terra natal, acho que posso arranjar.

Os olhos de Kelly brilharam de felicidade. Ela disse:

— Muito obrigada! Ainda tenho umas coisas para resolver aqui nesse estado, antes de voltar para o meu.

— Tudo bem, fique o tempo que precisar.

Marcos sorriu. Eles terminaram de merendar.

Ele saiu da cozinha, voltando para o seu quarto. Ao entrar, procurou pelo controle da tv. Achou-o no criado-mudo. Apertou um botão e se deitou na cama. Ficou esperando a televisão girar na parede, vindo da sala de estar. Quando o mecanismo fez a tv aparecer no quarto, ele apertou um botão, ligando-a e colocando num canal de notícias. Ficou assistindo às notícias.

Depois de um tempinho, Kelly aparece no quarto. Ela deitou-se na cama ao lado dele.

— Você é tão bom... O que eu posso fazer para te agradecer? — e ela começa a beijar seu pescoço.

Marcos não deu muita atenção para ela. Estava mais atendo à notícia que estava passando no momento. Havia acontecido um acidente na noite anterior. Um grupo de jovens, que estava vindo de uma festa, sofreu um acidente de carro. O carro deles foi de encontro com um caminhão de carga. Aquele explodiu após ter capotado umas cinco vezes e ficou em chamas por horas a fio. Marcos ficou chocado mesmo com as cenas censuradas da reportagem. Depois caiu em si que estava sendo beijado pela Kelly.

— Opa! Calma aí! Não precisa fazer nada para me agradecer! — disse ele parando o beijo da Kelly.

— Ok... — fez ela com resignação.

Marcos ficou ressentido. Foi um pouco grosseiro. Ele abraçou a Kelly, que retribuiu com todo o carinho do mundo. E ficaram ali, abraçados, assistindo televisão.

Daquele dia em diante, eles passaram a morar juntos. Marcos geralmente era o responsável pela limpeza da casa, pelos trabalhos domésticos; porém a Kelly começou a fazer essas coisas no seu lugar, e ela fazia isso tudo de bom grado.

Eles dormiam na mesma cama, apesar de Marcos considerar ela mais como uma amiga do que como uma amante. Na verdade, ele começava a ver traços de sua ex-noiva nela. Porém reprimia qualquer sentimento. Ele já estava se acostumando a chegar em casa e já haver a janta pronta. Ele estava disposto a pagar a ela bem mais do que se paga a uma doméstica qualquer. Tudo o que ele queria era que ela resolvesse a própria vida sem precisar mais se prostituir. Aos poucos, o zelo paternal que ele tinha por ela era substituído por um sentimento amoroso. Mesmo ele reprimindo, o sentimento crescia mais forte. Da vida dela, ele sabia pouco, preferia idealizar sua pessoa, preferia entendê-la pelos seus atos, e ele sempre tinha ótimas impressões. Sua índole era amável, sua beleza era cativante; ele simplesmente estava se apaixonando por ela. Analogamente, a paixão dela por ele era grande desde o início, desde que ele resolveu entrar em sua vida para fazer nascer nela a esperança que outrora estava perdida. Sua gratidão era infinita.

Ela estava a se questionar agora como andava o Tânio. Havia dias já que ela não tinha mais contato com ele. Aliás, desde que se estabelecera na casa do Marcos, não ouvia mais falar o nome "Tânio". Sentia-se liberta agora, porém, no fundo, estava receosa. Tinha medo do que ele poderia fazer. E se ele a encontrasse? Não queria envolver o Marcos nessa história. No final, ela ponderava isso ser impossível, como ele saberia que estava naquela casa, se ela não saia senão para ir ao supermercado e passear raramente com o Marcos? No fundo, o medo reinava.

E os dias se passavam na maior calma.

Numa noite de sedução, Marcos estava se preparando para dormir, só iria terminar de assistir ao noticiário da noite. Naquele dia em especial, Kelly não considerou a timidez do outro, decidiu passar dos limites.

Na displicência do momento, estando os dois na cama, com a Kelly beijando a lateral do rosto do Marcos. Este, sentindo a libido se manifestar, desligou a televisão e começou a beijar os lábios de Kelly. Esta se admirou; Marcos costumava ser indiferente às suas carícias, mas agora estava retribuindo com vigor. O beijo se estendeu por minuto, até que ela afastou seu rosto do dele para exclamar:

— Oh! Marcos, você é tão bom! Como um rapaz tão bom como você pode estar sozinho? Oh! Meu docinho de mel, você não existe!

Marcos franziu as sobrancelhas e, com um ar severo, perguntou:

— Do que você acabou de me chamar!?

— Como? Não sei... docinho de mel? — respondeu ela ressentida, pensando ter dito algo ruim.

Marcos fechou a cara. Não disse mais uma palavra. Ficou taciturno. Depois de um tempo, informou:

— Docinho de mel é o apelido que minha ex havia me dado... Como você sabia!?

Kelly demonstrou um olhar inexpressivo.

— Eu não fazia ideia... — defendeu-se.

Ele soltou um muxoxo, se virou e não disse mais nada. A atmosfera ficou pesada, Kelly decidiu fazer o mesmo, virou-se para o outro lado da cama, e dormiram.

No dia seguinte, Marcos acordou e, sonolento, procurou com o olhar a sua companheira. Não a viu. Ponderou ela estar fazendo o seu café-da-manhã. Foi para a cozinha, procurando por ela. Não a achou. Olhou para a mesa, o café-da-manhã estava servido. Estranhou, afinal eles sempre merendavam juntos. Tomou o café sozinho. Procurou pela casa. Nenhum sinal dela. Para onde ela haveria saído? Começou a pensar no pior. Ele não foi trabalhar nesse dia, esperando por ela.

Sua preocupação por ela era deveras grande. Porém os dias se passavam, e nenhuma notícia dela. Por que sumir desse jeito? Ficou se questionando se foi por causa da forma como a havia tratado na última noite. Mas nenhuma resolução. A saudade mais forte ficava a cada dia que se passava. Ele estava achando incrível o convívio, mas...

Chegou o final de semana. Marcos, para se distrair da saudade forte, chamou seus amigos para a sua casa. Fazia tempo que ele não via seus amigos. Todos apareceram.

Era uma tarde ensolarada, seus amigos vieram depois do almoço. Passaram a tarde jogando vídeo-game e conversando. Quando foi no meio da tarde, eles saíram para um campo que havia ali perto. Passaram o resto da tarde jogando bola. Quando voltaram para a casa do Marcos, começaram a beber cerveja. Marcos, preocupado com a janta, deixou seus amigos em sua casa jogando enquanto ele saía para o supermercado. Foi no carro do Augusto mesmo, que já estava estacionado em frente à sua casa.

Dirigindo, viu alguém muito familiar andando na calçada. Encostou o carro próximo ao meio-fio, abaixou o vidro e chamou:

— Kelly?

A mulher que andava ali olhou para o carro com medo, depois apressou o passo. Marcos reparou melhor e viu que não era a Kelly. Continuou a dirigir consternado. Ligou o rádio. "Meu bem, meu bem... Te quero tão bem". Desligou imediatamente o rádio ao ouvir o princípio daquela música. Chegou ao supermercado cantando mentalmente aquela música. Ficou exaltado.

No supermercado, procurou por uma cestinha, mas, considerando as muitas coisas que iria comprar, deu meia-volta e pegou um carrinho. Passou primeiro na ala de limpeza doméstica, à procura de papel-higiênico. Procurou, mas não encontrou. Achou estranho. Procurou por um atendente, mas não havia algum por perto. Resignado, foi para a ala de frios. Dessa vez, encontrou o que queria. Pegou quatro pizzas e algumas salsichas. Na ala de bebidas, pegou três pacotes de cervejas. Comprou outras coisas necessárias, porém não comprou o papel-higiênico.

Chegando ao caixa, estranhou não haver fila alguma. Avistou apenas um caixa funcionando. Caminhou em direção a esse caixa. Tudo ali estava diferente do normal. Um supermercado grande, àquela hora, deveria estar relativamente lotado. Aproximou-se do caixa e tirou seus produtos do carrinho, colocando-os na esteira. Ficou olhando para a operadora do caixa. Ela demonstrava um semblante seco, com um olhar impassível, rígido, característico de hipocondríacos. Ela parecia estar passando por dificuldades. Ficou calado, ajudando-a a passar os produtos. Viu o valor na tela do computador e pagou, sem dizer uma palavra. Até que ela olhou para ele profundamente e, com um olhar macabro, disse:

— Você não vai conseguir escapar...

Ele ficou espantado e perguntou:

— Como é que é!?

Ao que ela repetiu:

— Você não vai conseguir ensacar... tudo isso sozinho — ela mudou completamente o semblante.

Marcos esfregou os olhos, enquanto a operadora colocava as compras em sacolas plásticas. Quando ele terminou de esfregar os olhos, teve uma vertigem. Olhou mais uma vez para a mulher, ela estava com um semblante normal. A atmosfera ali mudara completamente. Ele olhou em sua volta, tudo estava como o usual; as pessoas entravam e saiam do supermercado.

— Tudo bem, senhor? — indagou a atendente apreensiva. Ele hesitou.

— Sim, sim. Tudo bem... Só estou com um pouco de dor de cabeça...

— Tem uma farmácia ali do lado... O senhor deveria comprar um analgésico.

— Ah! Obrigado — ele sorriu agradecido. Se retirou, caminhando em direção ao carro estacionado. Com dificuldade, conseguiu pegar as compras e colocar no porta-malas.

Entrou no carro. Veio-lhe um cansaço, apoiou a cabeça no volante. Ficou pensativo. Depois ligou a chave e saiu daquele estacionamento. Ponderou haver demorado mais de hora. Voltou apressado. Não queria deixar seus amigos sem cerveja gelada até o final da noite.

No caminho, estava tendo um péssimo pressentimento. Sua preocupação pela Kelly estava ficando insana. Queria chegar logo em casa e beber uma cerveja bem gelada.

Chegando perto de casa, estacionou o carro rente à calçada. Aproximou-se da porta. Estranhou o fato de ela estar escancarada. Já ia entrar reclamando de um dos seus amigos, perguntando quem havia deixado a porta aberta. Porém não o fez. Ficou paralisado, boquiaberto.

Sua sala de estar estava revirada. Um de seus sofás estava caído para trás; o outro, quebrado ao meio. As gavetas de sua estante estavam todas abertas, com algumas delas caídas ao chão. Sua televisão estava trincada, com uma rachadura num formato circular num canto da tela. Sua mesa de centro aparentava haver sido jogada contra a parede, caindo por cima do sofá virado, com suas pernas sendo quebradas e arqueadas. Uma de suas espadas havia sumido. Destroços em todo lugar. Porém o que lhe deixou mais assombrado foram as marcas de sangue por todo o chão, nas paredes e no sofá quebrado.

Marcos deixou a chave cair de sua mão, congelado com a cena. Não via amigos ali, apenas uma carnificina atroz. Avistou vísceras pelo chão. Continuou imóvel. Apenas observava aquela visão infernal.

A primeira reação que teve foi esta: dar um passo para frente e analisar melhor a situação. Deu outro passo. Hesitou ao começar a sentir cheiro de sangue coagulado. Tomou coragem, caminhou em direção ao sofá quebrado. Havia ali uma poça de sangue e algo que deixou Marcos estarrecido. Ele teve outra vertigem. Quase desmaiava ao ver que, no centro da poça de sangue, havia um coração humano.

Sua pulsação foi à mil, depois que discerniu o que acabara de ver. Deu dois passos para trás. Estava ofegante. Deu meia volta, correu para onde deveriam jazer suas espadas. Sacou a última que havia ali, se questionando onde estaria a outra. Segurou-a como via nos filmes, precisava se defender de quem quer que estivesse ali. O que haveria causado aquilo tudo? Onde estariam seus amigos?

Correu para a cozinha. Ela estava intacta, apesar de uma das gavetas estar escancarada. Ignorou a cozinha, seguindo as marcas de sangue que partiam daquele sofá e iam para o seu quarto.

A porta de seu quarto estava fechada, cheia de arranhões por toda a sua extensão. Marcos hesitou em abrir a porta. Mas a abriu. Lentamente, foi entrando no seu quarto. O cheiro ali estava nauseabundo. Acendeu a luz.

No seu quarto, enfim avistou seus amigos. Porém eles estavam todos mortos. Augusto, o primeiro a ser visto, estava desnudo, apenas de cueca, com seu abdômen todo cortado, com suas vísceras expostas. Seu peito também estava aberto, suas costelas, quebradas, mostrando uma fenda. O que sobrou do Augusto era apenas um corpo com expressões cadavéricas próximo à porta do quarto, dando fim às marcas de sangue mais obtusas. A um canto do quarto, jazia o Vítor sentado, com as pernas estiradas, recostado à parede. Seu rosto demonstrava um assombro congelado, seus olhos esbugalhados demonstravam ele haver gritado antes da morte. Em seu peito, estava encravada a outra espada. Sangue ainda escorria por esta, pingando em suas calças, fazendo uma mancha de sangue ao redor de suas pernas.

Reparou que seu quarto estava igualmente revirado. Sua cama estava em pé, contra a parede, toda manchada. No lugar onde deveria ficar a cama, estavam seus outros três amigos empilhados, todos completamente despidos, de bruços, acorrentados. Havia várias marcas de facadas nas costas do Anderson, que estava em cima dos outros, tingindo-os de um rubro cadavérico. Porém a faca possivelmente usada para fazer tais cortes, estava afundada na cabeça do Cláudio. O Fernando estava do outro lado, estando longe do alcance da visão de Marcos, já que estava por baixo do cadáver do Anderson.

Marcos soltou a espada que segurava. Ficou estupefato. Tremia. Fez uma expressão facial semelhante a do Vítor assombrada. Aquela cena causou-lhe um ímpeto de esmorecimento.

Teve uma vertigem, seus músculos se contraíram. E desmaiou.






Capítulo Um: Luz Sombria




Quando a luz voltou aos meus olhos, eu me encontrava dentro de um quarto todo sujo, havia vários brinquedos quebrados no chão; eu conseguia discernir algumas bonecas velhas despidas, alguns brinquedos de montar quebrados, alguns carrinhos sem pneus, uma bola furada. Olhei para as paredes e vi vários rabiscos a giz de cera. De todos, este era o único que eu conseguia entender: TOROM. Dava para entender que me encontrava em um quarto de brinquedos, havia um grande baú a um canto, de onde, provavelmente, eles foram retirados, havia um gigante tapete no centro da sala, mas estava todo empoeirado.

Eu não estava entendendo como eu havia parado ali. E como eu me punha a investigar aquela sala, começava a esquecer quem eu mesmo era. Tentava lembrar-me do meu passado mais próximo, mas não adiantava. Seria amnésia? Haveria eu batido a cabeça? Meus pensamentos estavam sem norte.

— Há alguém aqui? — sibilei. Minha voz ecoou naquela sala.

Em resposta à minha voz, eu ouvi um grunhido seco de algum lugar fora da sala. A atmosfera ali começava a ficar gélida. Um ar sombrio tomava conta da sala. Depois veio um silêncio sepulcral que começava a me incomodar. Eu chegava a ouvir meus próprios batimentos cardíacos. Numa hora, repentinamente, a luz da sala, que já era fraca, se apagou de vez. Foi quanto eu me assustei: ouviu-se ali dentro o som de uma porta batendo, seguido de um grito de uma menininha. Um grito ensurdecedor, que me deixou apavorado. Eu dei um passo para trás e acabei tropeçando. Caí de costas, amortecendo minha queda com meus braços. Acabei cortando um deles num brinquedo quebrado afiado ali jogado. Levantei-me segurando esse braço para sentir a profundidade do corte.

Subitamente, a luz do quarto voltou a se acender. Demorei a focar minha vista. Quando o fiz, vi que a porta da sala estava escancarada. Girei meu olhar e vi uma criancinha brincando num canto.

— Olá? — perguntei, mas a menininha não respondeu. — O que você faz aqui? Onde estamos? — mas ela não dava sinal de resposta.

Aproximei-me dela lentamente, com medo de poder assustá-la. Chegando mais perto, agachei-me e toquei seu ombro. Ao fazer isso, ela se virou de uma vez e se mostrou para mim.

O que vi me assombrou, fazendo-me dar dois passos para trás. A menininha não tinha rosto, apenas uma pele toda franzida cobrindo toda a face até às orelhas. Ela estava brincando com uma faca. Ela mostrou que havia cortado a própria mão. Uma dobra na cara dela foi franzida dando a entender que ela sorria para mim. Não queria ver mais nada, atravessei a sala, dando as costas à menina. Passando pela porta, cheguei num corredor. Comecei a correr numa direção, deixando rastros de sangue do meu braço.

Mas o mesmo grunhido seco me fez dar meia-volta e correr no sentido contrário do corredor. Passei pelo quarto onde estava. Apressei o passo ao ver que aquela menininha estava na porta da sala, fazendo girar a faca.

Correndo, apesar das luzes no corredor se enfraquecendo, eu conseguia reparar no lugar onde estava. Parecia um imenso corredor de uma mansão antiga. Havia quadros nas paredes. Pinturas arcaicas de anjos lutando contra demônios. Houve um momento no qual não havia mais quadros nas paredes. Eu reparava na cor das paredes. Eu observava que a pintura nas paredes pareciam se descascar, observando musgos tornando a pintura esverdeada. Depois a cor era de um marrom rubro. Eu comecei a achar que estava saindo de um corredor e entrando em uma caverna. Não conseguia enxergar muito bem, a luz estava muito fraca. Chegando ao final do corredor, eu estava ofegante e todo suado. Tentei, com mais calma, ver o corte no meu braço. O sangue ainda não havia estancado, ao menos vertia mais devagar. Olhei para trás e vi os rastros de sangue que eu deixei no caminho.

Onde eu estava? Que criatura era aquela menininha? Muitas perguntas inundavam meus pensamentos. De todo, nem eu mesmo me lembrava de quem eu era. Qual era o meu nome? Olhei em volta, mas não havia respostas ali, apenas duas portas formando um "Y" com o corredor. Uma delas, eu verifiquei, estava emperrada. Fui ver a outra. Ela dava numa caverna de verdade, ou, pelo menos, aquelas salas com paredes de pedra, chão de barro. Entrei naquela sala segurando a porta, reparei nas cadeiras de madeira, numa mesa gigante de cimento a um canto, várias panelas penduradas nas paredes. Havia uma lareira numa parede cuja chama cozinhava, num panelão, algo de cheiro muito ruim. Avistei a outro canto, uma gigantesca poltrona de madeira ornamentada. Soltei a porta e caminhei em direção à poltrona. Vi que havia alguém sentado nela.

— Olá?

Em resposta, a pessoa se levantou. De costas, eu vi que ele era careca e que vestia umas roupas bem extravagantes, de um misto de trapos com elegância. Reparei num tique nervoso dele: ficava balançando a cabeça para cima e para baixo rapidamente.

Quando ele se virou para mim, eu recuei. Novamente eu me assustei com o que vi. Das laterais de seu rosto, saíam longos e amofinados dedos que, entrelaçados, cobriam toda a face até os supercílios. Lentamente, esses dedos se soltavam, mostrando seu rosto. Olhei com mais prudência, ali havia três olhos, um nariz achatado, quase ofídico, uma boca toda deformada, com um dente torto e afiado saindo de dentro dela.

Essa coisa me olhou profundamente nos olhos, fazendo eu me paralisar de medo. Seus olhos eram acinzentados, sendo que seu terceiro olho, que ficava em cima de seu olho esquerdo, era numa cor rubra fumegante. Este olho ficava direto olhando para cima, para o nada. Fiquei ali paralisado, até que voltei a mim; virei-me afoito e corri na direção da porta. Quando cheguei à porta, tentei abri-la, mas estava emperrada. Fiz força contra a porta, mas ela não abria. Voltei a me virar para aquela criatura, fiquei olhando para ela com o coração em disparada. Até que disse isto:

— Não tenha medo — disse a coisa com uma voz gutural rígida, que causaria a qualquer um, uma náusea atípica.

Eu engoli em seco.

— Não precisa ter medo — repetiu com displicência, dando trejeitos imperiais com suas mãos no ar. — Eu não vou te machucar... Agora o "Grande" pode te machucar... Melhor ter cuidado.

Eu ouvia recostado à porta tremendo.

— Muito prazer, Mah'os, meu nome é Hand'o Devil, mas pode me chamar de Handevil. Estou aqui para te ajudar com o assassinato dos seus amigos.

— Como!? Do que você está falando!? Meus amigos o quê!? — eu praguejava.

E eu até tentei entender o que a criatura dissera, mas eu era incapaz. Nada mais ali fazia sentido. Eu só podia estar sonhando. Tentei ponderar essa ideia. Quando já estava descrente de tudo, perguntei:

— Onde estamos?

— Boa pergunta! Como eu te disse, estou aqui para te ajudar! Pois bem, feche sua mão direita.

Receoso, cerrei meu punho direito e ergui meu braço, deixando à mostra minha mão fechada.

— Muito bem. Agora saiba, pode não fazer sentido, mas estamos dentro de sua mão.

— Hein? Como!? — indaguei com um tom de estranheza.

— Ha haha! A pergunta foi ótima, mas a resposta foi melhor! — ele piscou seu terceiro olho e fez um gesto com a mão. Após esse movimento, senti que a porta havia se destrancado. — Sinto muito haver de fazer isso contigo, mas se quiseres minha ajuda, tu haverás de fazer umas coisinhas para mim... Ha haha! — ele gargalhou demoniacamente.

Eu me espremi na porta, apalpando-a para sentir a maçaneta. Perguntei descrente de resposta razoável:

— Como eu saio daqui?

Ao ouvir essa pergunta, seu terceiro olho parou de olhar para o nada e começou a me fitar profundamente. Ele iniciou aquele seu tique nervoso. Começou a mover loucamente sua cabeça para um lado e para outro, tremendo seu ombro esquerdo. Sua cabeça despencava lentamente para trás. Os dedos no seu rosto se mexiam nervosamente. Seus olhos acinzentados pararam de olhar para mim e principiaram um giro desvairado, depois eles viraram para trás. Daí ele começou a abrir sua boca. Eu conseguia ver a cor amarelada meio que apodrecendo de seus dentes de longe.

Com a boca toda aberta, sua língua começou a se mover agonizantemente dentro da sua boca. Até que ela saiu da boca e se mostrou para mim. Ela devia ter umas dez vezes o tamanho de uma língua normal. Na ponta dessa língua, o que me apavorou, eu consegui discernir outra boca menor. Ela se mexeu e se abriu, mostrando ter uns dentes pequenos, mas pontiagudos. Ela começou a falar com uma voz sibilante e estridente, que chegava a doer nos ouvidos:

— Morrer! Você deve morrer para saber da morte!

Não titubeei, abri a porta rapidamente e saí dali, deixando aquele monstro sozinho naquela caverna com aquela língua aos berros. Iniciei uma corrida segundo o corredor, mas havia uma parte do corredor mal iluminada. Ouvi um barulho esquisito. Olhei para trás, e as luzes haviam se apagado. Voltei meu olhar para frente, diminuí meu passo, eu estava andando agora tremendo. Eu andava passando minha mão na parede. Até que, perto de mim, eu vi uma criaturazinha pequena no pé da parede. Ela olhava para mim com uns olhos dourados reluzentes. Piscou três vezes. Eu não conseguia discernir o que essa criaturazinha era, estava muito escuro, só conseguia ver sua silhueta. Até que ela fechou seus olhinhos. Depois disso, as luzes diante de mim foram, aos poucos, voltando ao normal, mas ainda estava muito escuro. Voltaram a se apagar.

Eu não mais via nada. Girei meu olhar, apenas escuridão. Meu coração acelerou. Comecei a correr na mesma direção em que eu andava, sempre apalpando a parede. Minha mão tropeçava em algum quadro. Parei de apalpar a parede. Voltei a segurar o meu braço cortado com a mão. Eu corria mais devagar agora.

Até que eu me esbarrei com uma coisa rígida, porém felpuda. Apalpei a coisa para identificar no escuro. Mas não conseguia entender o quê. Eu comecei a sentir uma respiração ríspida vinda de cima de mim. Dei três passos para trás.

Uma luz atrás de mim se acendeu. Doeu minha vista a princípio, mas eu a forcei para ver o que estava adiante. Olhei nos olhos da criatura. Senti-me paralisado. A criatura devia ter mais de dois metros e meio, era quase do tamanho do corredor. Ela era forte e peluda. Com uns pelos negros todos eriçados. Sua respiração ecoava ali, causando-me muito temor. Parecia haver chamas em seus olhos, de tão vermelhos que eram. De sua boca, dava para se ver caninos penetrantes, como os dentes de um urso. Seu nariz era preto e pelado e com fendas, igual ao nariz de um touro. Fiquei ali parado, sem reação alguma, só olhando para esse monstro gigante. Ele deu um passo para frente e deixou à mostra o que ele segurava nas mãos. Ele portava um cabo gigante, e, quando eu segui o cabo com meus olhos até a ponta, vi que era uma foice gigante.

Esse monstro soltou um grunhido seco e agressivo e fez um movimento com a foice, fazendo que iria me decapitar. Eu fechei os olhos e esperei a lâmina vir me cortar.

Mas, antes de eu sentir qualquer coisa, uma mão veio e me puxou a perna. Essa mão me puxou com tanta força, que eu senti um frio na barriga acalentador. Eu me senti voando naquele momento. Perdi a noção de tempo, perdi a noção de espaço; apenas estava ali. Meus olhos abertos, eu não via nada; então os fechei. Daquele momento em diante, eu não sentia mais nada.




Prólogo (A Estrada Silenciosa)



Havia seis pessoas naquele carro. Nós estávamos vindo de uma festa excelente. Todos havíamos bebido muito, estávamos muito agitados, rindo alto. Cantávamos, contávamos histórias, piadas, frescando com o nosso amigo Augusto, que, segundo nosso amigo Anderson, não havia pegado ninguém lá na festa. O Cláudio estava sentado no colo do Vítor, e, por causa disso, tirávamos sarro dele.

— Ain, amiga, eu é que queria sentar no colo do Vítor! Ah! Louca! — brincava Anderson, fazendo o Fernando rir loucamente.

Eu estava sentado no meio do banco de trás, com meu braço passado por trás do ombro do Fernando, que estava sentado atrás do motorista. O Cláudio e o Vítor estavam do meu outro lado. O Augusto e o Anderson sentavam na frente, sendo que o primeiro era quem dirigia.

Passamos por um cruzamento. O Augusto acelerava muito o carro. Reclamei.

— Qual é, Marcos!? Ok, tou diminuindo, está vendo?

— Beleza — respondi, me segurando no pescoço do Fernando.

Mas não demorou muito para o carro voltar à velocidade anterior. Só eu reparei. Acho que de todos, eu fui o que menos bebeu. Bebi só algumas doses de vodka; já os outros, estes beberam cerveja e caipirinhas, sem contar as tequilas. Mesmo sentindo que a velocidade estava alta, eu dava mais atenção ao que os meus amigos estavam conversando.

— Égua, Augusto, mah, tu não pegou nenhuma, pow! — chacoteou Anderson.

— O Fernando não pegou nenhuma também...  — disse Augusto com resignação.

— Claro! Ele é viado! — retrucou o Anderson.

— Mas o Fernando disse que dessa vez ele pegaria uma mulher...  — ponderou o Cláudio.

— Hei, parem já! — reclamou Fernando.

— Ah! Louca! — frescou novamente Anderson.

Todos rimos.

Com um tempinho, ficamos todos em silêncio. Foi quando o Augusto ligou o rádio numa estação de forró. Ouvimos uma música que impregnava em nossas cabeças. Até eu, que detesto forró, estava cantando essa música!

— Meu bem, meu bem! Te quero tão bem. Também, também, te quero ter bem! — todos cantávamos.

Estávamos todos nos divertindo. Cantávamos, ríamos, estávamos entre amigos. Fernando ficava quase babando, vendo Cláudio pulando brincando no colo do Vítor, o que fazia Anderson tirar sarro da cara dele. Comecei a gargalhar.
Foi aí que eu parei de olhar para os meus amigos para olhar para o vidro do carro. Não conseguia discernir, com o olhar, o que era a pista do que era a escuridão da noite. Nem o farol, eu conseguia notar. Fitei o motorista ponderando se ele conseguia ver a estrada.

Eu acho que fui o único a notar um clarão gigantesco vindo na nossa direção. Chamei rapidamente a atenção do Augusto, mas, no momento, ele estava lânguido. Eu tentei tomar o volante, me projetando para frente do carro. Nesse momento ele voltou a si. Assustou-se e segurou o volante com força, tentando controlar a direção. Mas já era tarde demais. Só deu tempo de eu ver o clarão enorme nos engolindo em alta velocidade, seguido de um baque ensurdecedor...